quarta-feira, 13 de maio de 2015

Análise de excerto do capítulo V - Memorial do Convento

Proposta de correção do Manual – Expressões – Porto Editora – p. 294

1.1. A população vive euforicamente o acontecimento, ultrapassando a “alegria geral” (l. 4) do dia com um sentimento mais forte (“o gosto vem de mais fundo”, ll. 4-5). Sente-se “duas vezes em festa por ser domingo e haver auto de fé” (ll. 9-10) e o espetáculo é motivo para que as mulheres surjam à janela “vesti- das e toucadas a primor” (l. 12).

1.2. O narrador aproxima ironicamente os autos de fé às touradas para destacar a semelhança entre ambas as manifestações, marcadas pela violência de um ser vivo sobre outro. Comenta, inclusiva- mente, a natureza humana, ao referir que o gosto pelos “autos de fé” apenas imaginados continua para além da sua existência histórica (l. 11).


1.3. Durante a procissão em que seguem os condenados, o ambiente descrito é marcado pelo apelo às sensações auditivas: “Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham as mulheres [...] alanzoam os frades” (ll. 18- -19). Desse modo, configura-se uma atmosfera quase animalesca, em que os observadores agem como predadores dos que desfilam. A própria procissão é metaforicamente apresentada pelo narrador como “uma serpente enorme” (l. 19). São também utilizados o diminutivo com valor pejorativo em “povinho” (l. 18) e a hipálage em “furiosos impropérios” (l. 18), recursos que reforçam a negatividade associada aos espectadores, que vibram com o cortejo.

1.4. O auto de fé era entendido como um “espetáculo edificante” (l. 21), pois, com ele, a Igreja perseguia propósitos moralizadores. A visualização dos castigos aplicados aos transgressores pretendia dissuadir os observadores de comporta- mentos considerados condenáveis.

1.5. As vozes presentes no excerto pertencem ao narrador, a Sebastiana de Jesus, a Blimunda e a Baltasar. Exemplificando:
narrador: “Nas janelas que dão para a praça estão as mulheres, vestidas e toucadas a primor” (ll. 11-12);
Sebastiana de Jesus: “esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus, um quarto de cristã-nova, que tenho visões e revelações” (ll. 26-27); Blimunda: “Ali vai minha mãe” (l. 40); Baltasar: “Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.” (ll. 42-43).

2.1. Os olhos de Blimunda, que sua mãe destaca em particular, “tudo são capazes de ver” (ll. 36-37), como mais adiante na narrativa se saberá. São eles que marcam a sua relação com Baltasar, pois entendem-se através do olhar, sem necessitar de palavras, e que permitirão a concretização do sonho de voar de Bartolomeu de Gusmão. Em suma, os olhos de Blimunda são o elemento responsável pela sua demarcação inicial das restantes personagens e para a sua configura- ção como personagem do maravilhoso.

2.2. Blimunda não se dirige à mãe e finge não a conhecer, pois poderia ser ela própria presa e julgada pelo Santo Ofício.

3.1. Ao regressar a casa com o padre Bartolomeu Lourenço, Blimunda deixou a porta aberta para receber Baltasar, que os seguia. Mais tarde, durante a refeição, Blimunda serviu-se da colher de Baltasar depois de este ter acabado de comer (embora pudesse ter usado a do padre, que terminara antes de Baltasar).

3.2. As falas de Baltasar e Blimunda evidenciam o carácter transcendente da sua união. Blimunda antevê a necessidade de permanência daquele que escolheu para que ambos se completem e se concretizem humana e espiritualmente, e anuncia-o, embora de forma enigmática, a Baltasar.

5. Alguns dos traços característicos da linguagem e do estilo de José Saramago presentes neste excerto são o uso peculiar da pontuação, servindo-se apenas de vírgulas e pontos finais, e assinalando o discurso direto com o uso de maiúsculas no interior das frases. Estão também presentes a ironia e a polifonia narrativa, com a intervenção de diferentes narradores.

6.a.4;b.3;c.1;d.2.


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