Proposta de correção do Manual – Expressões – Porto
Editora – p. 294
1.1.
A
população vive euforicamente o acontecimento, ultrapassando a “alegria
geral” (l. 4) do dia com um sentimento mais forte (“o gosto vem de mais
fundo”, ll. 4-5). Sente-se “duas vezes em festa por ser domingo e haver
auto de fé” (ll. 9-10) e o espetáculo é motivo para que as mulheres surjam
à janela “vesti- das e toucadas a primor” (l. 12).
1.2.
O
narrador aproxima ironicamente os autos de fé às touradas para destacar a
semelhança entre ambas as manifestações, marcadas pela violência de um ser vivo
sobre outro. Comenta, inclusiva- mente, a natureza humana, ao referir que o
gosto pelos “autos de fé” apenas imaginados continua para além da sua
existência histórica (l. 11).
1.3.
Durante
a procissão em que seguem os condenados, o ambiente descrito é marcado pelo
apelo às sensações auditivas: “Grita o povinho furiosos impropérios aos
condenados, guincham as mulheres [...] alanzoam os frades” (ll. 18- -19).
Desse modo, configura-se uma atmosfera quase animalesca, em que os observadores
agem como predadores dos que desfilam. A própria procissão é metaforicamente
apresentada pelo narrador como “uma serpente enorme” (l. 19). São também
utilizados o diminutivo com valor pejorativo em “povinho” (l. 18) e a
hipálage em “furiosos impropérios” (l. 18), recursos que reforçam a
negatividade associada aos espectadores, que vibram com o cortejo.
1.4.
O
auto de fé era entendido como um “espetáculo edificante” (l. 21), pois,
com ele, a Igreja perseguia propósitos moralizadores. A visualização dos
castigos aplicados aos transgressores pretendia dissuadir os observadores de
comporta- mentos considerados condenáveis.
1.5.
As
vozes presentes no excerto pertencem ao narrador, a Sebastiana de Jesus, a Blimunda
e a Baltasar. Exemplificando:
narrador:
“Nas janelas que dão para a praça estão as mulheres, vestidas e toucadas a
primor” (ll. 11-12);
Sebastiana
de Jesus: “esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus, um quarto de cristã-nova,
que tenho visões e revelações” (ll. 26-27); Blimunda: “Ali vai minha
mãe” (l. 40); Baltasar: “Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.” (ll.
42-43).
2.1.
Os
olhos de Blimunda, que sua mãe destaca em particular, “tudo são capazes de
ver” (ll. 36-37), como mais adiante na narrativa se saberá. São eles que
marcam a sua relação com Baltasar, pois entendem-se através do olhar, sem
necessitar de palavras, e que permitirão a concretização do sonho de voar de
Bartolomeu de Gusmão. Em suma, os olhos de Blimunda são o elemento responsável
pela sua demarcação inicial das restantes personagens e para a sua configura-
ção como personagem do maravilhoso.
2.2.
Blimunda
não se dirige à mãe e finge não a conhecer, pois poderia ser ela própria presa
e julgada pelo Santo Ofício.
3.1.
Ao
regressar a casa com o padre Bartolomeu Lourenço, Blimunda deixou a porta
aberta para receber Baltasar, que os seguia. Mais tarde, durante a refeição,
Blimunda serviu-se da colher de Baltasar depois de este ter acabado de comer
(embora pudesse ter usado a do padre, que terminara antes de Baltasar).
3.2.
As
falas de Baltasar e Blimunda evidenciam o carácter transcendente da sua união.
Blimunda antevê a necessidade de permanência daquele que escolheu para que
ambos se completem e se concretizem humana e espiritualmente, e anuncia-o,
embora de forma enigmática, a Baltasar.
5.
Alguns
dos traços característicos da linguagem e do estilo de José Saramago presentes
neste excerto são o uso peculiar da pontuação, servindo-se apenas de vírgulas e
pontos finais, e assinalando o discurso direto com o uso de maiúsculas no
interior das frases. Estão também presentes a ironia e a polifonia narrativa,
com a intervenção de diferentes narradores.
6.a.4;b.3;c.1;d.2.
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