segunda-feira, 27 de abril de 2015

Correção do TPC, p.245 - Felizmente há luar!

1. As didascálias fornecem sempre informações essenciais para a compreensão do texto dramático. A primeira indicação cénica apresenta informações que contribuem para conferir a Manuel uma importância mais destacada de entre os populares. A Manuel, caracterizado pelo autor como “o mais consciente”, cabe iniciar a peça como “única personagem intensamente iluminada, ao centro e à frente do palco” com as suas reflexões, que são a voz do grupo social em que se insere. O código luminoso utilizado adquire extrema importância, já que destaca, completamente, esta personagem, sendo todo o palco o reflexo da escuridão ou abismo em que a personagem se encontra e que a “engole”. Por fim, informa-nos que Manuel está “andrajosamente” vestido, caracterizando-o física e socialmente, inserindo-o no povo miserável.


2.1. O monólogo de Manuel tem como função contextualizar a ação, revelar o posicionamento da personagem face à situação que então se vivia, de miséria e opressão, e de incluir a personagem na classe social do povo. Através desta sua reflexão, Manuel revela o desagrado do povo face ao poderio inglês no domínio do país (“Vê-se a gente livre dos Franceses, e zás! Cai nas mãos dos Ingleses!”), assim como perante o regime absolutista (“Se acabamos com os Ingleses, ficamos na mão dos reis do Rossio...” e “Deus todo-poderoso para a frente... Deus todo-poderoso para trás... Sua Majestade para a esquerda... Sua Majestade para a direita...”). Denuncia igualmente a incapacidade de evolução em termos sociais (“E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita, nós não passamos do mesmo sítio!”) e os sentimentos de desalento e impotência que dominam os populares que nada podem fazer para alterar a situação (“Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?”).

2.2. As afirmações finais de Manuel constituem, no fundo, a justificação para o valor retórico das suas perguntas e para a sensação de frustração que elas transmitem. Aos membros do povo não é possível fazer algo de significativo para mudar a sua situação, pois esta é imutável, ao contrário da dos grupos sociais superiores, conforme afirma Manuel (“E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita, nós não passamos do mesmo sítio!”).

3.1. As duas primeiras notas à margem permitem, inequivocamente, associar Felizmente Há Luar! ao teatro épico. Nelas, o autor fornece informações que possibilitam compreender o efeito de distanciamento a adotar na receção da peça, destacado na utilização, entre aspas, do adjetivo “representado”. Com a peça, não se pretende que o público simpatize com as personagens ou se emocione com a ação, mas que tenha “consciência de que ninguém [...] vai esboçar um gesto para o cativar”, devendo manter-se lúcido para perceber a mensagem e o exemplo transmitidos. Desta forma, pretende-se levar o público a refletir sobre o passado e, distante deste, a agir sobre o presente da escrita contra a ditadura de Salazar.

3.2. A frase colocada entre parênteses no final da segunda nota lateral confirma, em tom metafórico, a ligação de Felizmente Há Luar! ao teatro épico. Assumindo-se a peça, representada pelos atores, como “réu” a ser julgado pelos espetadores, estes, enquanto “juízes”, devem manter-se imparciais para conseguirem receber e interpretar corretamente a mensagem transmitida. Trata-se, então, do efeito de distanciamento do teatro brechtiano.

4. Ao longo do excerto, os populares passam por diferentes emoções motivadas pelo contexto sócio-político em que vivem. Assim, evidenciam frustração pelas condições de vida em que subsistem (“(Levantando-se dum salto e macaqueando as maneiras dum fidalgo, finge tirar um relógio do bolso dum colete inexistente) Saiba meu senhor...” até “Esqueceram-se dos relógios em casa.”), revelam medo e hesitação quando escutam o som dos tambores (“(Ouve o som dos tambores) Que é isto?” até “Ficam todos calados. Indecisos.”), seguidos de alívio por não se concretizarem os seus receios (“Não vêm para cá.”).

5. O som dos tambores provoca nos populares “agitação” e desperta neles “medo” (“(Todos se levantam e escutam a medo.)”), levando-os a prepararem-se para “fugir” (“Alguns pegam nos seus objetos pessoais – cestos, mantas esfarrapadas, uma abóbora, etc. – e preparam-se para fugir.”).

5.1. O “ruído dos tambores” funciona, ao longo da peça, como “símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir.”, anunciando a aproximação das tropas e possíveis ações sobre os populares. Por essa razão, provoca, imediata e quase instintivamente, medo. É o símbolo da repressão e opressão do poder sobre o povo.


6. O general Gomes Freire de Andrade é percecionado pelos populares presentes, à exceção de Vicente, como alguém merecedor de admiração. O grupo escuta atentamente as palavras do Antigo Soldado, para quem Gomes Freire é um “herói”, “um amigo do povo! Um homem às direitas!” e Manuel deposita nele as esperanças de resgate da situação de miséria em que vivem, considerando que “se ele quisesse” poderia mudar a situação do povo. Vicente, pelo contrário, deprecia o general, não enquanto pessoa, mas como representante da classe militar, que despreza, por considerar que não pode, nem quer libertá-los da vida de pobreza em que se encontram (“Se ele quisesse? Mas se ele quisesse o quê? Vocês ainda não estão fartos de generais? Cornetas, tambores...” até “Disso podes estar certo.”).

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