domingo, 23 de novembro de 2014

Ricardo Reis - alguns poemas

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este é o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora,
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.





Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.


Ao Longe

Ao longe os montes têm neve ao sol,

Mas é suave já o frio calmo

Que alisa e agudece

Os dardos do sol alto.

 

Hoje, Neera, não nos escondamos,

Nada nos falta, porque nada somos.

Não esperamos nada

E ternos frio ao sol.

 

Mas tal como é, gozemos o momento,

Solenes na alegria levemente,

E aguardando a morte

Como quem a conhece.

 


Aos Deuses

Aos deuses peço só que me concedam

O nada lhes pedir.  A dita é um jugo

E o ser feliz oprime

Porque é um certo estado.

Não quieto nem inquieto meu ser calmo

Quero erguer alto acima de onde os homens

Têm prazer ou dores.

Antes de Nós

Antes de nós nos mesmos arvoredos

Passou o vento, quando havia vento,

E as folhas não falavam

De outro modo do que hoje.

 

Passamos e agitamo-nos debalde.

Não fazemos mais ruído no que existe

Do que as folhas das árvores

Ou os passos do vento.

 

Tentemos pois com abandono assíduo

Entregar nosso esforço à Natureza

E não querer mais vida

Que a das árvores verdes.

 

Inutilmente parecemos grandes.

Salvo nós nada pelo mundo fora

Nos saúda a grandeza

Nem sem querer nos serve.

 

Se aqui, à beira-mar, o meu indício

Na areia o mar com ondas três o apaga,

Que fará na alta praia

Em que o mar é o Tempo?



Do que Quero

Do que quero renego, se o querê-lo

Me pesa na vontade.  Nada que haja

Vale que lhe concedamos

 

Uma atenção que doa.

Meu balde exponho à chuva, por ter água.

Minha vontade, assim, ao mundo exponho,

Recebo o que me é dado,

E o que falta não quero.

 

O que me é dado quero

Depois de dado, grato.

Nem quero mais que o dado

Ou que o tido desejo.

 

 


Tão cedo passa tudo quanto passa!

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.

Uns
 
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa?  Este é o dia, 
Esta é a hora, este o momento, isto 
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos.  No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos.  Colhe 
o dia, porque és ele.




Se Recordo

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui São sonhos diferentes.
 


Quer Pouco
Quer pouco: terás tudo. 
Quer nada: serás livre. 
O mesmo amor que tenham 
Por nós, quer-nos, oprime-nos. 








Quando, Lídia

Quando, Lídia, vier o nosso outono 
Com o inverno que há nele, reservemos 
Um pensamento, não para a futura 
Primavera, que é de outrem, 
Nem para o estio, de quem somos mortos, 
Senão para o que fica do que passa 
O amarelo atual que as folhas vivem 
E as torna diferentes




Pois que nada que dure, ou que, durando

Pois que nada que dure, ou que, durando,
Valha, neste confuso mundo obramos,
E o mesmo útil para nós perdemos
Conosco, cedo, cedo.

O prazer do momento anteponhamos
À absurda cura do futuro, cuja
Certeza única é o mal presente
Com que o seu bem compramos.

Amanhã não existe. Meu somente
É o momento, eu só quem existe
Neste instante, que pode o derradeiro
Ser de quem finjo ser? 


Estás só. Ninguém o sabe.

Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.

Mas finge sem fingimento.

Nada 'speres que em ti já não exista,

Cada um consigo é triste.

Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,

Sorte se a sorte é dada.

 



Sem comentários:

Enviar um comentário